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Artigo Jurídico (02): Breve Comentário Sobre As Inovações Da Lei Nº 14.230/25.10.21
(Lei De Improbidade Administrativa)

O presente artigo tem o objetivo de tecer breve comentário sobre algumas inovações trazidas pela lei N. 14.230/25.10.21, que  trata da lei de Improbidade Administrativa, principalmente no que diz respeito aos princípios da legalidade, moralidade e improbidade.

Inicialmente, esclarece – se sobre os elementos constitutivos do ato de improbidade administrativa.

O ato de improbidade administrativa, para acarretar a aplicação das medidas sancionatórias previstas  no artigo 37, § 4º, da Constituição, exige a presença de determinados elementos:

  1. sujeito passivo;
  2. sujeito ativo;
  3. ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato dar-se isoladamente, em uma das quatros hipóteses, ou, cumulativamente, em duas, três ou quatro;
  4. elemento subjetivo: dolo.

Sujeito Passivo

O artigo 1º da Lei nº 8.429, nos §§ 5º, 6º e 7º (incluídos pela Lei nº 14.230), indica as entidades que podem ser atingidas por atos de improbidade administrativa, abrangendo o Estado, em qualquer do três Poderes, a administração direta e indireta no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal a entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais, bem como a entidade privada para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra no seu patrimônio ou receita anual (hipótese em que o ressarcimento de prejuízos fica limitado à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos).

Pela norma do § 6º do artigo 1º, são incluídas entidades que não compõem a Administração Pública, direta ou indireta, nem podem ser enquadradas como entidades públicas de qualquer natureza. São entidades privadas em relação às quais o Estado exerce a função de fomento, por meio de incentivos, subvenções, incentivos fiscais ou creditícios, ou mesmo contribuição para a criação ou custeio (Sesi, Senai, Sesc e outras semelhantes), as chamadas organizações sociais, as organizações da sociedade civil de interesse público e qualquer outro tipo de entidade criada ou mantida com recursos públicos.

Sujeito Ativo

A lei de improbidade administrativa no artigo 2º, considera como sujeitos ativos o agente público, assim entendido o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Também é sujeito ativo aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade (art. 3º, com a redação dada pela Lei nº 14.230) e o particular, pessoa física ou jurídica, que receba recursos públicos em decorrência de contrato de repasse, contrato de gestão, termo de parceria, termo de cooperação ou ajuste  administrativo equivalente (art. 2º, parágrafo único).

Como se verifica pelo conceito de agente público, contido  no artigo 2º, não é preciso ser servidor público, com  vínculo empregatício, para enquadrar-se como sujeito ativo de improbidade administrativa. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é agente público, que são: (a) os agentes políticos (parlamentares de todos os níveis, Chefes do Poder Executivo  federal, estadual e municipal,  Ministros e Secretários dos Estados e dos Municípios); (b) os servidores públicos (pessoas com vínculo empregatício, estatutário ou contratual, com o Estado); (c) os militares (que também têm vínculo estatutário, embora referidos da Constituição fora da seção referente aos servidores públicos); e (d) os particulares em colaboração com o Poder público (que atuam sem vínculo de emprego, mediante delegação, requisição ou espontaneamente).

Quanto aos servidores públicos, todas as categorias  estão incluídas, independentemente de ocuparem cargos efetivos, em comissão ou vitalícios, funções ou empregos públicos, seja o regime estatutário ou contratual, seja a função permanente ou transitória, seja qual for a forma de provimento.

A improbidade administrativa é baseada no princípio da legalidade, moralidade e probidade.

A legalidade, em sentido amplo, abrange a obediência a lei e a observância dos princípios e dos valores que estão na base do ordenamento jurídico.

Assim, em havendo violação ao princípio da legalidade e devidamente comprovado a infringência, as medidas previstas são de caráter administrativo previstas nos Estatutos dos Servidores Públicos de cada ente Federado, não se excluindo as consequências na esfera criminal, se for o caso.

Portanto, é imperioso que qualquer agente público ou aquelas pessoas mencionadas no tópico – sujeito ativo – observem com cautela e o devido zelo a atuação no âmbito da Administração Pública.

(in Direito Administrativo, de  Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Ed. Forense/2022, p. 997/1010).

Luiz Fernando Molléri

Advogado – OAB/SC 2174

Artigo Jurídico (01): Breve Comentário Sobre A Lei Da Outorga Onerosa Do Município De Itajaí (SC) – LC N. 214/2012, Revogada Pela LC – Nº 449/11.03.24

Conforme Lei Complementar N. 214/31.12.2012, foi instituído o instrumento jurídico da outorga onerosa do direito de construir no Município de Itajaí, com base na Lei Federal N. 10.257/10.072001, conhecida como Estatuto da Cidade, que em seu art.31, dispõe:

“Os recursos auferidos com a adoção da outorga onerosa do  direito de construir e de alterações de uso serão aplicados com as finalidades previstas nos incs. I a IX do art.26 desta lei” (sic).

 Ao analisar-se o art.26, incs. I a IX do Estatuto da Cidade, colhe-se, verbis:

“Art.26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para:

  • I – regularização fundiária;
  • II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
  • III – constituição de reserva fundiária;
  • IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
  • V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;
  • VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
  • VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;
  • VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;
  • IX – (VETADO)”.

Com amparo na referida Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), Município de Itajaí instituiu o instrumento da outorga onerosa do direito de construir, também chamado de “solo criado” ou “virtual”, conforme Lei complementar N. 214/31.12.2012, que assim dispõe:

  • Art. 1º  Fica instituído o instrumento jurídico da outorga onerosa do direito de construir no Município de Itajaí, que regula o uso do solo, segundo o qual um empreendedor pode construir acima do coeficiente fixado em lei, desde que adquira este direito junto ao Município.
  • Art. 2º  São objetivos básicos da outorga onerosa do direito de construir:
  • I – a justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;
  • II – a geração de recursos para o atendimento da demanda de equipamentos e de serviços provocada por adensamentos urbanos;
  1. Preempção: exprime a preferência; direito de preferência.

   III – a geração de recursos para o incremento de políticas habitacionais.

  • Art. 3º Os recursos da aplicação desta lei passarão para o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Itajaí.

Parágrafo único. O Poder Executivo deverá divulgar, com linguagem de fácil compreensão e em link destacado, no Portal da Transparência do Município de Itajaí, o total dos valores  provenientes da outorga onerosa instituída por esta lei, identificando a origem dos valores arrecadados, o saldo total dos recursos, bem como o detalhamento das despesas, com a relação dos bens e serviços executados ou adquiridos com os recursos provenientes deste instrumento, respeitando-se as disposições do Artigo 31 da Lei Federal 10.257/2001 no tocante a utilização dos recursos. (Redação acrescida pela Lei Complementar nº 377/2021).

Como se vê, Estatuto da Cidade estabelece que os recursos provenientes da outorga onerosa serão aplicados de acordo com o que determina o art.26, incs. I ao IX, acima mencionado, ou seja, é específico para o exercício do direito de preempção[1], nos casos ali definidos.

Portanto, não dispõe a Lei Federal (Estatuto da Cidade) e nem a LC – 214/31.12.2012, do Município, qualquer disposição expressa sobre a liberação de recursos para outras finalidades senão aquelas previstas na própria lei.

Assim, a liberação de recursos oriundos da outorga onerosa para outros fins (v.g. pagamento de empréstimos, financiamentos, etc.), contraria a própria lei e afronta o princípio de legalidade. 

Outrossim, compete ao Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial (CMGDT), criado pela Lei Municipal Nº 5001/07.12.2007, gerir o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, como dispõe o CAPITULO II.

A propósito, prescreve o art.5º, verbis:

  • Art. 5º Fica instituído o Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Itajaí – FMDU, gerido pelo Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial, destinado a atender ao planejamento, execução e fiscalização de programas de implantação de equipamentos urbanos comunitários.
  • Art. 6º Os recursos financeiros do FMDU serão constituídos de:
  • I – recursos provenientes da aplicação dos instrumentos urbanísticos, a saber:

a) concessão do Direito Real de Uso de áreas públicas, exceto nas Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS;

b) outorga onerosa;

c) concessão do direito de superfície;

  • II – recursos próprios do Município;
  • III – transferência intergovernamentais;
  • IV – transferências de instituição privadas;
  • V – transferências do exterior;
  • VI- transferência de pessoa física;
  • VII – rendas provenientes da aplicação financeira dos seus recursos próprios;
  • VIII – doações;
  • IX – outras receitas que lhe sejam destinadas por lei.

Parágrafo único. Os recursos de que trata o caput serão recolhidos em instituições bancária, em conta especial denominada Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano de Itajaí/Município de Itajaí.

  • Art. 7º  Os recursos do FMDU serão geridos pelo Conselho Municipal de Gestão e Desenvolvimento Territorial, e aplicados de acordo com as resoluções expedidas pelo referido Conselho.
  • Art. 8º Os recursos do FDMU deverão ser aplicados no planejamento, execução e fiscalização de programas de implantação de equipamentos urbanos e comunitários, além de outras destinações previstas em lei.
  • Art. 9º O Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano fica vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo. (Redação dada pela Lei nº 5550/2010).”

Ressalte-se  que a abordagem acima exposta é com base na LC – 214/31.12.2012, do Município, a qual foi revogada pela LC – N. 449/11.03.24 (Novo Plano Diretor), como dispõe o art. 203, inc. VI.

A  LC – 449/11.03.24 (publicada no Diário Oficial do Município em 19.03.24, conforme Portal da Transparência) trata no CAPÍTULO VIIIDos Instrumentos de Política Urbanaarts. 155 ao 160Outorga Onerosa do Direito de Construir  e Direito de Preempção – art. 161.

Analisando-se agora o instrumento jurídico da outorga onerosa à luz da LC – 449/11.03.24, bem como o direito de preempção, previstos nos arts. 25, 26, 28 e 31 da Lei N. 10.257/10.07.2001 (Estatuto da Cidade), observa-se que, em linhas gerais, o novo diploma manteve-se  fiel à LC – 214/31.12.12 (revogada) e ao Estatuto da Cidade (Lei N. 10.254/2001) em vigor.

Portanto, considerando que os recursos da outorga onerosa  são administrados pelo CMGDT  (agora Conselho Municipal) e que , tais recursos devem ser aplicados de acordo com o artigo 26, incs. I a IX da Lei Federal N. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) e em consonância com a LC N.214/2012 (atualmente LC – 449/24) como exposto acima, não é crível o Conselho (atualmente denominado Conselho da Cidade conforme art. 185 da LC – 449/24) autorizar a liberação de recursos de outorga onerosa para o Executivo pagar compromissos outros que não aqueles previstas na própria lei, sob pena de se violar o princípio da legalidade, aplicável no âmbito da administração pública.


[1] Direito de Preempção: Exprime a preferência; direito de preferência.

Luiz Fernando Molléri
Advogado – OAB/SC 2174
Membro do CMGDT
(Representante da ACII)